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Setor aéreo

Gol vive momento melhor do que a Latam ao pedir Chapter 11

Companhia enfrentará uma situação diferente do que a Latam, que em 2020 também fez o processo de renegociação de dívidas nos Estados Unidos

Para analistas, Gol tem condições melhores para enfrentar o Chapter 11 do que a Latam em 2020 (foto: Adobe Stock)

A Gol entrou nesta quinta-feira (25) com um pedido de Chapter 11, equivalente nos Estados Unidos à recuperação judicial. A empresa enfrentará uma situação diferente da Latam, que em 2020 também fez o processo de renegociação de dívidas na justiça norte-americana. Se por um lado o momento operacional é mais favorável à Gol, a demanda por aeronaves antigas no mundo, num momento em que há dificuldade das fabricantes cumprirem as entregas, complica a negociação com credores.

A opção pelo Chapter 11 tem relação com a estrutura da dívida da Gol. Os credores estão concentradados fora do país, com os arrendadores de aeronaves, também chamados de lessores, e detentores de títulos emitidos no exterior, afirmam especialistas ao Broadcast. “Diferentemente da legislação brasileira, a lei nos Estados Unidos impede a execução de dívidas de leasing, um dos principais calcanhares de aquiles da Gol”, explica Kleber Bissolatti, advogado especializado em recuperação judicial do Bissolatti Advogados.

As dívidas da Gol somam cerca de R$ 20 bilhões, com R$ 3 bilhões vencendo dentro de um ano. Cerca de metade do valor total é detido por 25 lessores. “A negociação com lessores está evoluindo, e em diferentes estágios, alguns estão nos apoiando muito”, afirmou o CEO da Gol, Celso Ferrer, em entrevista nesta tarde.

Para Fabio Melo, advogado da equipe de Recuperações e Falências do escritório Goulart Penteado, a opção pelo Chapter 11 foi essencial para garantir o sucesso do plano de recuperação da Latam, que conseguiu manter suas atividades durante o processo. “A justiça norte-americana é mais madura e previsível em casos de recuperação judicial, além de estar mais habituada a lidar com instrumentos como o DIP financing”, afirmou.

Ao anunciar o pedido de Chapter 11, a companhia informou que bondholders da Abra se comprometeram a um empréstimo de US$ 950 milhões no modelo DIP. Esse tipo de injeção de capital visa garantir a continuidade da operação da empresa durante a recuperação. Pela lei, os credores do DIP Financing têm preferência no pagamento frente às outras dívidas.

Maior demanda

Ainda que a demanda por passagens aéreas esteja abaixo dos níveis pré-pandemia, a tendência nos últimos meses é de alta. Em 2023, a demanda de voos, medida em RPK (receita por passageiro por quilômetro) teve alta de 15,3%, em relação a 2022, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

O cenário é bem diferente de quando a Latam entrou em recuperação, na pandemia. Em maio de 2020, quando a empresa chilena entrou com Chapter 11, a demanda de voos no mercado doméstico teve queda de 90,9%, na comparação anual. Em 2020, a demanda teve o menor patamar da série histórica da Anac, que começou em 2000, e recuando 48,7% no mercado doméstico, ante 2019.

A Gol estima que o processo dure “significativamente menos” do que o de outras companhias aéreas da América Latina. A Latam e Avianca, por exemplo, demoraram cerca de dois anos. Ferrer avaliou o processo de reestruturação das duas empresas como bem-sucedido, mas avalia que o momento atual é mais favorável para a empresa. “Não estamos em uma pandemia, é um cenário de demanda consistente”, afirmou.

O ambiente do setor também é visto como favorável por analistas. “O cenário atual é bem mais favorável para geração de caixa das empresas, com uma tendência de manutenção do crescimento da demanda e custos fixos mais estáveis”, avalia Ygor Araújo, analista da Genial Investimentos.

Em relatório, os analistas do Goldman Sachs, Bruno Amorim, João Frizo e Guilherme Martins apontam que, em 2024, as aéreas também terão mais poder de precificação com a dificuldade de aumento da oferta.

Problemas na oferta

A quebra na cadeia de suprimento das fabricantes de aeronaves está atrasando a entrega de novos aviões desde o ano passado. Por um lado, o descompasso entre demanda e oferta tem permitido que as tarifas atinjam o maior patamar dos últimos 14 anos. Em outubro, a tarifa média ficou em R$ 741,47, segundo o dado mais recente da Anac.

A falta de novas aeronaves, no entanto, dificulta a negociação da Gol com os lessores. “Quando a Latam entrou com Chapter 11, ninguém queria avião, então havia mais disposição dos lessores para negociar”, argumenta Alberto Valerio, analista do UBS BB. Até o ano passado, as aéreas, incluindo a Gol, estavam aproveitando a retomada na demanda para comprar novos aviões e substituir a frota por modelos com menor gasto de combustível e manutenção. “Nesse cenário a Gol vinha conseguindo negociar extensão de prazos”, explica Valerio.

O atraso dos fabricantes para entregar novas aeronaves, no entanto, acabou aumentando a demanda por aeronaves antigas. “Isso deixa a Gol numa situação mais complicada para negociar com os lessores”, explica Melo. “Mas o Chapter 11 muda um pouco o equilíbrio das negociações porque blinda a Gol temporariamente da execução de dívidas e retomada de aeronaves”, complementa o advogado.

Gol enfrenta outro momento

Para especialistas consultados pelo Broadcast, a situação de caixa da Gol e da Latam não era muito diferente no momento em que ambas entraram com Chapter 11. A composição de caixa (caixa vs receita nos próximos 12 meses) da Gol atualmente é de 10%, segundo Valerio. “O índice de uma empresa saudável é acima de 30%”, explica o analista do UBS BB.

Quando a Latam entrou com Chapter 11, o indicador da composição de caixa era de 14%, no segundo trimestre, mas caiu para 7,5% no terceiro trimestre devido a compromissos devidos em junho, de acordo com dados do UBS BB.

“O mercado de crédito, no entanto, está diferente”, avalia Valerio. Ele aponta que a Latam se beneficiou da maior disponibilidade de crédito relacionado aos estímulos à atividade econômica no pós-pandemia. “A Gol enfrenta um momento de maior aversão ao risco”.

Além do DIP financing, outro tema que pode favorecer as negociações da Gol é o pacote de ajudas que deve vir do governo brasileiro. O BNDES já mostrou disposição em dar suporte às companhias.

O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, optou por não comentar concretamente sobre possíveis medidas do governo para socorrer a Gol. Ele disse, contudo, que tem se reunido com representantes de todas as companhias aéreas e que o Estado irá auxiliá-las como for possível. Conforme apurado pelo Broadcast, representantes da empresa estiveram na sede do ministério, em Brasília, na última terça-feira (16), justamente em busca de ajuda.

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