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“Falhamos, mas aprendemos a lição’, diz presidente da Enel SP

Max Xavier Lins diz que a própria família ficou sem luz, mas garante que empresa está mais preparada para as próximas chuvas

Presidente da Enel diz que equipes da concessionária estão mais preparada para enfrentar próximas chuvas (Foto: Alex Silva/Estadão Conteúdo

Um imponente edifício envidraçado na zona sul da capital paulista abriga o quartel-general da Enel São Paulo. Ali estão o centro de controle da energia entregue para mais de 18 milhões de clientes e toda a área administrativa. Não há, porém, qualquer posto de atendimento ao cliente. Mas eles não param de chegar. “Antes era uma média de oito a dez. Agora, por semana, vem uns 30 ou 40”. A contabilidade é de um dos manobristas do prédio, ratificada pelas recepcionistas. “O pessoal pega o endereço no site e vem bater aqui. Claro que a gente não deixa subir, mas é cada coisa que a gente escuta”, diz uma das moças.

O aumento no fluxo de consumidores à sede da empresa se deu depois do dia 3 de novembro, quando uma tempestade sem precedentes derrubou mais de duas mil árvores e com elas se foram 200 quilômetros de cabos de energia. O saldo foram mais de 2,3 milhões de clientes da Enel sem energia – alguns amargaram mais de sete dias sem luz, até que a companhia resolvesse os problemas.

Desde então, a Enel São Paulo já foi acionada pelo Ministério Público de São Paulo, multada em R$ 12,7 milhões pelo Procon-SP , multa da qual já está recorrendo – foi esconjurada pelo prefeito Ricardo Nunes e pelo governador do Estado, Tarcísio de Freitas, que querem antecipar o fim do contrato com a empresa, além de ter passado por uma CPI na Assembleia Legislativa paulista. “A CPI incomoda? É claro que sim”, disse o presidente da Enel São Paulo, Max Xavier Lins, em entrevista exclusiva ao Broadcast.

Pode-se dizer que no calendário do executivo – que está no setor elétrico há 38 anos – passou a existir o AN e o DN – Antes de Novembro e Depois de Novembro. “Eu sei que a percepção da sociedade sobre a Enel não é boa e neste episódio falhamos, principalmente na comunicação com o poder público e com a população. Mas aprendemos a lição”, disse ele na entrevista que segue.

Broadcast Em sua opinião, qual é a imagem da Enel São Paulo hoje perante o mercado, os investidores?

Max Xavier Lins: Qual é o parâmetro para dizer se a companhia é boa ou ruim? Os indicadores operacionais estabelecidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica para uma distribuidora são o DEC e o FEC. O primeiro é quanto tempo, em média, o consumidor ficou sem energia elétrica e o segundo, Frequência Equivalente por Consumidor, que é quantas vezes, em média falta energia para o consumidor. Antes de a Enel assumir a companhia, em 2018, o DEC era 11,7 horas. Em outubro de 23 foram 6,3 horas. Ou seja, uma melhoria de quase 50%.

Broadcast – Ai veio novembro que colocou tudo a perder…

Lins: Tudo a perder não. Fechamos dezembro com 6,8 horas. Ainda assim, é muito menos do que era anteriormente.

Broadcast – Sim, foram 2,3 milhões de consumidores sem energia por dias. Como o senhor acha que está a imagem da companhia diante do mercado, dos investidores? Dos clientes sabemos que não é boa.

Lins:  Nossa conversa vai remeter sempre a fatos e dados. Investimentos, desde que a Enel assumiu a companhia, CAPEX, mais de R$ 7 bilhões – se você dividir por cinco anos que a Enel assumiu, dá um investimento médio de R$ 1,5 bilhão por ano, o controlador anterior investia R$ 800 milhões. E é isso aqui que permite que tanto o DEC quanto o FEC melhorasse significativamente.

BroadcastO senhor está me dizendo que a companhia está fazendo o que pode e deve fazer, só que a percepção daqui para fora é outra.

Lins: O mercado financeiro conhece esses números. Os investidores conhecem esses números. Agora, existe uma percepção da sociedade, da qual eu compartilho. Eu sou consumidor. Eu fiquei sem energia também.

BroadcastFaltou luz na sua casa também?

Lins: Duas vezes. Na primeira eu não estava. Meu filho me ligou dizendo, ‘pai, acabou a luz aqui em casa’…

Broadcast: E o senhor disse o que para ele? Para ele ligar para a Enel?

Lins:  É claro que a percepção de quem fica sem energia é péssimo. Tomar banho frio é ruim, ficar sem internet é ruim. É óbvio. Mas não se pode confundir uma foto com todo o filme. Não se pode esquecer que o que aconteceu aqui em São Paulo foi um evento de magnitude que nunca vimos.

BroadcastO que nos leva de volta à questão da governança. Cientistas e pesquisadores avisam há mais de uma década que as condições climáticas iam mudar. O que a Enel fez ou faz para minimizar essas mudanças?

Lins: Desde que a Enel assumiu a gente vem substituindo os cabos de média tensão por outro padrão chamado spacer cable, que é um cabo elétrico de média tensão, menos susceptível ao toque da vegetação. Toda vez que um galho toca em cabo de alta tensão provoca queda de energia. Não é uma tecnologia nova, a companhia já utilizava antes e, desde a chegada da Enel, intensificamos o uso e já instalamos quase 1 mil quilômetros de spacer cable. Outra coisa que fizemos, que é muito importante, é que nesses cinco anos e meio, triplicamos os equipamentos de automação, que fazem automaticamente a transferência de um circuito para outro. Em 2017, tinha menos que 8 mil equipamentos de automação na rede. Fechamos 2023 com mais de 21 mil equipamentos.

Broadcast Quais foram os desdobramentos da CPI para a companhia?

Lins: A CPI foi encerrada, o relatório foi emitido. A CPI não é deliberativa. Ela sugeriu algumas coisas que estão no relatório. Foi um período importante. A CPI incomoda? É claro que sim, mas também é uma ocasião para desmistificar algumas coisas que a sociedade não conhece. Eu jogo na da arena dos marcos legais.

BroadcastMas de novo a gente volta para a questão da percepção do mercado, para a imagem da companhia.

Lins: A gente tem que retomar a questão da governança. O episódio de 3 de novembro. Nunca aconteceu de 2,1 milhões de clientes ficarem sem energia. Em apenas 3 horas ventos de 103, 105 km por hora derrubaram mais de duas mil árvores, quebraram mais de 200 postes derrubaram outros tantos de transformadores, foram mais de 200 km de cabos rompidos. Houve uma destruição da rede que teve que ser reconstruída com arvores em cima, com trânsito bloqueado. E ficam lições que foram aprendidas.

Broadcast Quais são?

Lins: Primeiro ponto: A nossa comunicação foi tardia. Quando eu digo comunicação é para os canais em massa. Dada a magnitude do que estava acontecendo, a gente demorou. Falhamos. Deveríamos ter ido à imprensa, nos dirigido à sociedade e só fomos fazer isso na segunda-feira à noite.

Broadcast O que mudou desde então?

Lins: Aprimoramos nosso protocolo de crise e redefinimos a governança do plano de contingencia. Deixando mais claros quais são os limites, quais níveis de incremento operacional, seja em campo, seja em canais de relacionamento, eu preciso acionar, inclusive com prefeitos. Mudamos nosso protocolo de comunicação com autoridades. Hoje temos grupos de autoridades no WhatsApp que é acionado toda vez que tenho previsão de algum evento climático.

BroadcastOs contratos de concessão de distribuição de energia começam a vencer a partir de 2025, mas o setor já debate o que pode acontecer. O senhor teme que esses eventos, não só em São Paulo, podem, de alguma forma, influenciar na renovação?

Lins: A concessão de energia no Brasil é uma atribuição da União. Na década de 1995 e 2000, a União decidiu passar essas concessões para agentes privados, por 30 anos, contratos que estão vencendo nos próximos anos. No ano passado, a União lançou uma consulta pública para que toda a sociedade desse contribuições. Os agentes setoriais, no momento, aguardam essas definições.

BroadcastO senhor acha que esses eventos vão impactar a renovação desses contratos?

Lins: Esses contratos foram firmados há quase 30 anos. A sociedade era outra, a tecnologia era outra, as demandas eram outras. A sociedade mudou completamente, e hoje somos muito mais dependentes de energia. E, provavelmente, as novas regras vão refletir essa nova realidade. Há uma discussão circunstancial sobre qualidade, que é pertinente. Agora, mais uma vez, a gente precisa ser objetivo. Quais são as regras do jogo? Se essas regras estiverem sendo cumpridas, o combinado não é caro. Mas não pode ser apenas com base na percepção. Precisa ser baseada em lastros e fatos.

 

 

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