O ano de 2023 foi de mais chuvas, alagamentos e vendavais em cidades das regiões Sudeste e Sul do País, que concentram boa parte da contratação de seguros automotivo e residencial no Brasil. Foi um teste de água e fogo para as seguradoras, e uma amostra de que a crise climática não só veio para ficar mas que começa a gerar perdas fora do seguro rural, o primeiro afetado pelas mudanças.
“Normalmente, temos dois eventos de calamidade por ano. Em 2023, batemos recorde: foram sete, por enquanto”, disse Ney Ferraz Dias, presidente da Bradesco Auto/RE, a jornalistas durante evento da Bradesco Seguros, em dezembro.
O fenômeno também chegou aos riscos corporativos. Na seguradora Sompo, houve um crescimento de 50% nos danos elétricos em propriedades que são protegidas por apólices da companhia. Fruto das ondas de calor, que aumentaram a frequência de incêndios.
Estes exemplos são bem menores que os das perdas do seguro rural, que pagou R$ 10,5 bilhões em indenizações em 2022 diante da seca no Sul do País. Entretanto, o mercado acredita que as perdas de pequena monta, cada vez mais frequentes, se tornarão uma grande dor de cabeça.
O Swiss Re Institute calcula que as perdas causadas por eventos climáticos em 2023 ultrapassarão a casa dos US$ 100 bilhões em todo o mundo pelo quarto ano consecutivo. Sem furacões como o Yan, que passou pela Costa Leste dos Estados Unidos em 2022, e se tornou uma das maiores perdas seguradas da história, o vilão será a soma de eventos menores.
“Com um aumento dos eventos em regiões costeiras e pela demografia dessas regiões, vemos esse crescimento”, afirma o presidente da Swiss Re no Brasil, Frederico Knapp. “O desafio agora é como o mercado se adapta a essa nova realidade.”
Mais caro
A adequação mais óbvia é o aumento dos preços: se o risco fica maior, o preço cobrado pela seguradora para protegê-lo também aumenta. O CEO da Sompo, Alfredo Lalia Neto, afirma que essa é uma solução que tem limites. “Não adianta aumentar indistintamente o prêmio, porque em algum momento, não vai caber no bolso do segurado e vamos ter menos clientes”, diz.
O sócio de consultoria de Riscos e Regulação da EY, Marcelo Lustosa, afirma que é necessário distribuir melhor os riscos entre os clientes. “O seguro é um mutualismo, mas é preciso cobrar mais de quem tem mais risco, e menos de quem tem menos”, diz ele.
Outra via é a gestão de riscos, com as seguradoras sugerindo ao cliente maneiras de tornar operações ou instalações mais seguras. Lalia, da Sompo, afirma que o seguro de transportes é um bom exemplo. “Há dez anos, se falava que o seguro de transportes poderia acabar no Brasil por causa do aumento do roubo de carga, mas se desenvolveu soluções de monitoramento, e conseguimos ter um mercado estável.”
Sem ações do mercado, um efeito traumático das mudanças climáticas é a incapacidade do setor para cobrir determinados riscos. A Flórida, região dos EUA exposta a furacões e incêndios florestais, passa por este cenário. “Falta capacidade ao mercado local”, afirma Knapp, da Swiss Re.
No Brasil, o seguro rural viveu um aperto da oferta em 2022, contornado após ajustes feitos pelo mercado e com a melhoria das condições climáticas. Entretanto, a maior quantidade de eventos tanto no campo quanto na cidade faz com que o “fantasma” da falta de cobertura continue presente.
“Quando a seguradora não tem dados para precificar, ela recusa o risco”, afirma Luciana Dias Prado, sócia de Seguros, Resseguros e Previdência Privada do escritório de advocacia Lefosse. De acordo com ela, o levantamento de dados de sustentabilidade que a Superintendência de Seguros Privados (Susep) passou a exigir das empresas é importante para evitar o apagão.
Estímulo
O setor afirma que um dos maiores problemas no País é que as faixas da população mais atingidas por enchentes ou secas são as que menos contratam seguro, porque têm menos renda disponível. “O que temos buscado é uma parceria público-privada para levar essas coberturas”, afirma Dyogo Oliveira, presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).
A entidade fez uma proposta de seguro obrigatório que teria preços entre R$ 2 e R$ 5 ao mês, e que poderia ser pago via desconto na conta de energia elétrica. O pacote incluiria cobertura de bens e auxílio funeral em perdas causadas por chuvas, enxurradas e deslizamentos, entre outros eventos. As propostas estão em substitutivo a um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados.
A Confederação também discute com o governo um novo fundo de estabilização para o seguro rural. O atual caiu em desuso porque, como fundo público, a liberação dos recursos é burocrática. A ideia é criar um fundo com gestão privada, que receberia um aporte do Tesouro, e aportes anuais das seguradoras.
Dias Prado, do Lefosse, afirma que o governo precisa estimular a cobertura dos riscos climáticos. “Talvez precisássemos de um fomento governamental para fazer com que as seguradoras assumam esse risco”, diz. Segundo ela, a legislação das letras de risco de seguros (LRSs), títulos do mercado financeiro destinados a financiar seguros e resseguros, abre espaço para importar para o Brasil os chamados bonds de catástrofe, que são comuns nos EUA e que transferem ao mercado os riscos de eventos catastróficos.