A perspectiva de afrouxamento monetário no Brasil deve ser insuficiente para aliviar as condições financeiras de muitos consumidores com dívidas em atraso e de empresas endividadas, especialmente aquelas de pequeno porte. A avaliação é da economista Camila Abdelmalack, gerente executiva de Estudos Econômicos da Serasa Experian, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
Dados da Serasa Experian mostram que atualmente são cerca de 8 milhões de empresas nessa situação, contra 78 milhões de pessoas físicas inadimplentes no País, quase metade da população. “A sinalização é que a Selic ficará alta por um período prolongado. E, se cair, não voltará para um dígito”, afirma. Neste cenário, o nível de inadimplência está avançando e “muitos não estão conseguindo honrar com os pagamentos, acumulando dívida e mais dívida.”
Leia abaixo os principais pontos da entrevista:
O nível de inadimplência tem crescido, em meio ao juro restritivo. As mais atingidas são as pessoas físicas (PF) ou jurídicas (PJ)?
São mais ou menos 8 milhões de empresas negativadas. No caso de pessoa física, estamos falando de 78,2 milhões de brasileiros inadimplentes. Isso representa mais ou menos 48% da população adulta. São CPFs negativados, é o total de dívidas negativadas. O nosso indicador olha para os números de CPFs negativados, enquanto o BC, exclusivamente para as operações em aberto das instituições financeiras. Quando a instituição, seja ela financeira ou não, enviou a negativação (a respeito de alguém), já sei que está inadimplente. Quando o credor envia a notificação e pede a inclusão na base de negativação, está inadimplente. No Banco Central, olha-se a quantidade de CPS negativados. Neste caso, o saldo de crédito é o denominador. O numerador é o saldo em aberto acima de 90 dias. Então, por isso que é uma taxa de inadimplência.

Camila Abdelmalack (Foto: Estúdio Arauá – Gabriela Iorio e Paulo Lima)
Qual o porte da maioria das empresas com pendência financeira?
Desses 8 milhões de CNPJ negativados, 7,6 milhões são micro e pequenas empresas. Para termos um parâmetro do quão difícil está para uma empresa voltar a ficar adimplente, estamos falando numa média de sete dívidas por CNPJ negativado. É uma dívida média ao redor de R$ 3 mil. Um ponto interessante é que o tíquete médio da PJ é acima da inflação. Está se endividando mais e isso mostra o quão difícil está para sair deste quadro.
Com a renda em ascensão, a situação de pessoa física é menos desfavorável, ainda que o total de inadimplentes seja maior do que registrado em empresas?
Cada CPF negativado em média tem quatro restrições, com dívida média de pouco mais de R$ 6 mil, ou seja, mais de quatro salários mínimos. Neste contexto, veja o quanto não é fácil para o brasileiro voltar a ficar com as finanças em dia.
O crescimento da inadimplência é atribuído somente ao aperto monetário?
Os dados do Banco Central estão numa crescente, mas a taxa de desemprego está na mínima histórica. É um pouco da histórica da concessão de crédito, que cresceu a um ritmo de dois dígitos ao longo de 2024. Foi um crescimento acelerado, e tem uma questão mais estrutural mesmo, de bancarização, de mais players no mercado, de novos entrantes, as fintechs. Isso é super positivo, pois trouxe mais oferta de crédito para a população. Por mais que tenha o desafio dos juros, vimos nos últimos dois anos uma concessão de crédito bastante acelerada.
Mas, conforme os dados mencionados, o aumento da oferta de crédito está resultando em crescimento da inadimplência. Isso a preocupa?
A população e as empresas que contrataram bastante crédito não estão tendo tanta facilidade para renegociar as dívidas e rolar as mesmas entre as instituições. Os credores estão mais parcimoniosos neste cenário de juros elevado, e não é só por isso. A sinalização é que a Selic ficará alta por um período prolongado. E se cair, não será tanto. Não voltará para um dígito. Essa é a sinalização que todo mundo tem no momento. A inadimplência está crescendo e muitos não estão conseguindo honrar com os pagamentos, acumulando mais dívidas.
Como você avalia o cenário atual de tarifas num momento de Selic elevada, de que forma isso compromete o quadro de atividade, de crédito?
Não se trata somente de uma guerra tarifária, tem todo o protagonismo do cenário político junto, é um combo. Há vulnerabilidade tanto do lado externo, no contexto de guerra tarifária, quanto interna, no contexto político [debate eleitoral de 2026]. À medida que vão saindo pesquisas [eleitorais], os mercados vão reagindo. Dependendo do caminho que isso tomar, pode influenciar muito o cenário no ano que vem. Com tudo isso posto, pode ser um ano de muita vulnerabilidade, e o apetite por risco pode ficar mais retraído. Consequentemente, pode se refletir nas carteiras de crédito.
Quais os setores que mais são penalizados, com maior nível de inadimplência?
A participação maior é do setor de serviços, que é inerente à atividade econômica – 70% do PIB é composto pelo setor de serviços. A inadimplência maior acaba sendo desse segmento de empresas que mais abre serviços. Quando fazemos a variação anual, a inadimplência da indústria está crescendo num ritmo mais acelerado do que o dos outros segmentos. E isso é juro alto e questão tarifária. Por mais que se tenha essa discussão de realocação de mercado, acaba tendo impacto na indústria, no agro.